Mário Benedetti (1920-2009)
Se cada hora vem com sua morte,
Se o tempo é um covil de ladrões
Os ares já não são tão bons ares
E a vida é nada mais que um alvo móvel
Você perguntará por que cantamos
Se nossos bravos ficam sem braço,
A pátria está morrendo de tristeza
E o coração do homem se fez cacos,
Antes mesmo de explodir a vergonha.
Você perguntará porque cantamos
Se estamos juntos como um horizonte
Se lá ficaram as árvores e o céu
Se cada noite é sempre alguma ausência
E cada despertar um desencontro
Você perguntará porque cantamos
Cantamos porque o rio está soando
E quando soa o rio, soa o rio
Cantamos porque o cruel não tem nome,
Embora tenha nome o seu destino
Cantamos pela infância e porque tudo
E porque algum futuro e porque o povo
Cantamos porque os sobreviventes
E nosso mortos querem que cantemos
Cantamos porque o grito só não basta
E já não basta o pranto nem a raiva
Cantamos porque cremos nessa gente
E porque venceremos a derrota
Cantamos porque o Sol nos reconhece
E porque o canto cheira a primavera
E porque nesse talo e lá no fruto
Cada pergunta tem a sua resposta
Cantamos porque chove sobre o sulco
E somos militantes desta vida
E porque não podemos nem queremos
Deixar que a canção se torne cinzas.
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